A LÍNGUA PORTUGUESA EM TIMOR-LESTE: O DISCURSO DA MEMÓRIA DO PROFESSOR


por: Aliete BORMANN/UFRN e Marília SILVEIRA/CEFET-RN
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RESUMO
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O objetivo desse estudo é analisar a expansão da língua portuguesa em Timor-Leste; para tanto, considerar-se-á o contexto histórico-social e as condições em que ocorreu e ocorre a expansão desse idioma, que por questões políticas tornou-se a língua oficial e de ensino daquele universo multilíngüe. Em vista, faz-se necessária uma incursão, no universo da formação e do imaginário social de professores responsáveis em aprender e ensinar em língua portuguesa, a qual não é língua materna para nenhum dos timorenses. A análise será realizada a partir de documentos formais da educação, depoimentos orais e escritos, como entrevista e questionário, a fim de compreendermos como se dá o ensino da língua portuguesa. Nos depoimentos e entrevistas, os profissionais expõem sobre o que é ser e tornar-se professor em Timor-Leste; assim, partimos da noção de um sujeito múltiplo, contraditório e construído dentro de diferentes discursos que se entrecruzam. As concepções teóricas que oferecem subsídios para este estudo é a Análise de Discurso, associada à visão sócio-interacionista de Bakhtin.
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PALAVRAS-CHAVE: Timor-Leste; língua portuguesa; discurso.
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Introdução
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A história de Timor-Leste é marcada por ocupações que se iniciam no século XVI com a chegada dos portugueses que lá permaneceram por mais de quatrocentos anos; vale ressaltar que, na Segunda Guerra Mundial o território é ocupado pelos japoneses por cerca de três anos. Após a saída dos portugueses em 1974, o povo timorense respira a liberdade e declara a independência, mas em 1975 o território é invadido pelas forças da Indonésia que permanecem por um quarto de século em Timor-Leste; depois do plebiscito, que culminou com a saída das forças indonésias, o país esteve por, três anos sob a gestão de Administração Transitória das Nações Unidas (UNTAET).
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Dessa forma, a partir desse breve histórico de ocupação, podemos perceber a intervenção que Timor-Leste sofreu dos colonizadores. Chamamos a atenção sobre a colonização portuguesa que introduz a língua como o primeiro elemento de imposição ao povo timorense. A língua portuguesa passa a fazer parte da cultura local e disputa espaço com as línguas nativas. A nova língua, então, estabelece relações de poder e domínio, em detrimento das línguas locais.
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Inicia-se assim, no país, um processo histórico de constituição da língua portuguesa que implica não apenas a imposição dessa língua, mas a imposição de valores, de costumes, da cultura; podemos considerar o encontro entre pelos menos de dezesseis línguas e vários dialetos, os quais compõem, o cenário lingüístico local, com suas próprias histórias, culturas e políticas diferentes daquelas impostas pelo colonizador.
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As línguas nativas estão divididas em dois grupos, segundo Hull (2000), as famílias das línguas austronésias e as família das línguas papuas (introduzidas a milênios, a partir da Nova Guiné), além de vários dialetos. A maioria dessas línguas está na memória de um povo que não tem a tradição da escrita, ou seja, são conhecidas, apenas na e pela oralidade. Dessas línguas o tétum é a língua franca e apresenta duas variantes: tétum-praça, falado na capital Díli e tétum-téric, falado no interior.
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Como tem acontecido em todo o processo de colonização, a língua do colonizado é aprendida para que se possa implantar a língua do colonizador. Nessa perspectiva, os missionários portugueses, para iniciar a evangelização escolheram o tétum, por ser o idioma mais falado pelas tribos locais. No entanto, a partir do contato com a língua do colonizador o tétum passa ganhar influência da língua portuguesa.
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Retomando o percurso histórico e segundo prefácio do livro de Sousa (2003) "Portugal abandonara o território que administrava havia quatrocentos anos". Esse abandono da colônia permitiu a invasão da Indonésia em 1975, que submeteu a população outra vez ao idioma do invasor, ou seja, o povo timorense foi submetido à aprendizagem do idioma indonésio. A língua portuguesa, nesse período de duas décadas, é silenciada por bastante tempo e passa a ser falada quase que na clandestinidade pelos mais idosos segundo (Hull, 2000, p.32) "o invasor indonésio proibiu em todas as escolas o ensino de português, substituindo-o pelo ensino indonésio". Segundo (ORLANDI, 1987, p.263), "o silêncio imposto pelo opressor é exclusão, é uma forma de dominação". No caso da proibição da língua portuguesa, foi principalmente forma de dominação que invasor encontrou para calar o povo timorense, o qual se viu passando por um processo de esquecimento da sua cultura, da sua história e da sua memória.
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Após a saída dos indonésios, instala-se um conflito de opiniões quanto à escolha do idioma oficial, se por um lado a geração jovem desejava a língua indonésia ou inglesa por outro lado a geração mais velha desejava a língua portuguesa. A língua portuguesa ganha destaque de resistência, de elemento de identidade. É importante refletir essas questões sobre um prisma diferente que pode ter nas suas raízes a história da colonização timorense.
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Todos esses aspectos nos levam a refletir questões como: Qual é a importância básica da língua portuguesa na construção da identidade e da cultura do povo leste-timorenses? Qual tem sido a política de expansão e de ensino da língua portuguesa?
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Segundo Bolina (2005), a distribuição das línguas por falante se dá da seguinte forma, o tétum é falado por 85% da população, uma vez que, em cada cinco pessoas, quatro falam tétum; a segunda língua mais falada é a bahasa indonésia (malaia) por cerca de 40% da população e de cada vinte timorenses, apenas um fala a língua portuguesa, grande parte dos falantes do português está inserida na população mais idosa.
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Segundo o Plano Nacional de Desenvolvimento de Timor-Leste (2002), podemos conferir que a língua portuguesa é entendida por cerca de 5% da população, apenas 2% consegue falar o inglês, além de um número significativo de 60 % de analfabetismo.
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Nesse cenário, a língua portuguesa junto à língua tétum passa a ser consideradas pela Constituição da República Democrática de Timor-Leste, em seu Art.13 (2002, p.14) como oficiais, o que significa na prática governamental, administrativa, educativa e social. Essa escolha se deve por desejo político e não pela conveniência lingüística, principalmente por ter sido a línguas de luta e de resistência durante os vinte quatro anos de dominação. Vale ressaltar que a língua portuguesa foi determinada pela política educacional da jovem nação o idioma que intermediaria o ensino. No entanto, passado algum tempo, ainda não há uma política efetiva de ensino para a língua portuguesa.
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Pensar em política de ensino para a língua portuguesa em Timor-Leste, deve-se envolver conceitos como de governo, legislação, cultura, nação, identidade, desenvolvimento educacional, dominação, desigualdade, ideologia, política internacional, colonialismo, exploração, ética e, principalmente formação de professor.
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Em 2003, em visita as escolas e trabalhando com alguns professores timorenses contatamos que os professores falavam apenas o básico da língua portuguesa, no entanto falavam outras línguas nativas, o que confirmar (BOLINA, 2005, p.187) que chama atenção para os 4150 professores de ensino primário que já lecionam em língua portuguesa, mas apresentam apenas "um domínio muito básico desta língua."
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O que significa que esse fato refletir-se-á no espaço escolar, daí porque as crianças apresentavam enormes dificuldades na compreensão e expressão do português. A autora, ainda afirma que dos 1.176 professores do ensino pré-secundário, grande parte "não se comunica em português".
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Em visita ao Palácio das Cinzas (maio de 2003) o Kay Rala Xanana Gusmão, atualmente Primeiro-Ministro, quando questionado sobre a expansão da língua portuguesa e o ensino da língua, respondeu que o povo começava a valorizar a Constituição e, para recuperar a língua portuguesa como idioma era preciso uma campanha de mobilização e conscientização. Para justificar, o presidente citou como exemplo um momento em que esteve na montanha e foi interpelado por um professor bastante preocupado, como pai e como professor, com o uso da língua no país, "Faço um apelo a Vossa Excelência para que os professores do país sejam reciclados em língua portuguesa". Ao que o presidente acrescentou: "A escolha da língua portuguesa é uma questão política para construirmos uma identidade nacional e um resgate dos nossos antepassados". Tanto nas palavras do professor quanto nas palavras do presidente, constata-se que há uma preocupação em ensinar e aprender a língua portuguesa.
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Ainda como depoimento no ano de 2003, o Reitor Benjamin Côrte Real quando questionado sobre a escolha da língua, respondeu "A escolha foi e é uma questão política para criar uma identidade nacional". Explicou que, na Universidade, tinha um curso para professores em língua portuguesa com duração de três anos, mas enfrentava dificuldades por falta de pessoal qualificado para lecionar a disciplina.
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No entanto, passado algum tempo parece existir ainda problemas na expansão da língua dentro da própria Universidade Nacional, pois um artigo publicado no jornal New York Times (2007) revela que "Em cinco anos, conforme o planejamento do governo, ele (o professor) terá de lecionar todas suas aulas em português, uma língua que dificilmente é ouvida no campus. Em um quadro de avisos na entrada do campus, há quatorze recados deixados por professores. Oito escritos em tétum, quatro em indonésio e dois em inglês. Nenhum está escrito em português. " (tradução nossa).
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Parece que pouco foi investido no ensino e aprendizado da língua portuguesa, acreditamos que a Universidade deveria ser o principal espaço para a realização da língua. Ainda do mesmo artigo do jornal New York Times, em entrevista, o presidente do país, um dos autores da lei da língua portuguesa, declara que "Nós temos que repensar nossas políticas com relação à língua... Eu não vejo problema algum em um país ter quatro línguas oficiais... Nós podemos dar ao povo a opção de escolher duas delas como obrigatórias."
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Se a língua adotada por um nação é símbolo de identidade nacional, é decisão política, é história e é cultura, qual é a política adotada para a língua portuguesa? Qual a língua que melhor representa esses símbolos para o povo maubere? Se apontarmos a língua portuguesa, então, é necessária uma campanha de conscientização nacional e se passe a priorizá-la intensificando nos jornais locais, televisão, nas repartições públicas e, principalmente, na Universidade e nas escolas. A expansão da língua portuguesa na nação timorense tem que sair do discurso; e já é momento de se pensar em um programa de alfabetização não só para as crianças em idade escolar, mas também para os jovens e adultos timorenses, isso possibilitará um meio para o desenvolvimento da língua portuguesa como instrumento de comunicação, a língua é antes de tudo uma estrutura de pensamento.
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Certamente que uma política de alfabetização é fundamental para expansão de qualquer língua, senão vejamos:
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Medidas que façam parte de uma política da língua não pecisam incluir regulamentação de empréstimos. Basta que inclua a alfabetização em larga escala, a melhoria do ensino no nível básico, com a qualificação do professorado de Língua Portuguesa e o incentivo a publicações didáticas adequadas. (CARVALHO, Nelly, 2005, p.2)
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Para desenvolver a língua portuguesa, como língua de comunicação nacional, é necessário considerar o fato de que os sujeitos que se pretende envolver possuem outras línguas com uma lógica própria e a lógica de muitas vozes que habitam em diversas aldeias fundamentadas na oralidade e não em um sistema de códigos escritos.
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Aos professores cabe o papel de desenvolver o ensino da língua, além de levar o aluno e ele próprio a inferir, a perceber, a descobrir e a refletir sobre o mundo, a interagir com o outro, por meio do uso da linguagem, e que esta reflita a posição histórico-social do autor, levando-o a perceber as marcas de sua ideologia, que estão subjacentes ao seu discurso, seja oral ou escrito.
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Os professores timorenses e o ensino da língua portuguesa
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Em setembro de 2003, recebemos um convite da diretora do Instituto de Formação Contínua, órgão ligado ao ministério de Educação, para ministrarmos um curso em língua portuguesa de quarenta horas que proporcionasse a cinqüenta professores vindos de todos os distritos metodologias de ensino de e em língua portuguesa, nessa experiência, verificou-se que muitos dos professores apresentavam grandes dificuldades em compreender a língua portuguesa, isso ficou evidente na aplicação de um questionário com perguntas básicas e objetivas, o que tornou possível verificar que muitos nunca tinham visto uma gramática da língua portuguesa e ainda apresentavam um nível de leitura muito baixo:
  1. 92% dos professores nunca tinham lido um livro (46);
  2. 6% dos professores leram um livro pela metade (3);
  3. 2% dos professores leram um livro até o final (1).--
Diante do diagnóstico inicial, cabia, então, a tarefa de promover uma análise no planejamento, modificá-lo e refletir sobre a língua a fim de dar maior legitimidade ao seu uso, uma vez que é na interação com o mundo e com os outros que o sujeito estabelece a função simbólica da linguagem, o que lhe dá a possibilidade de representar por símbolos o que ele vivencia no real. Outras reflexões nos levaram a mais questionamentos, a saber:
  1. Professores cuja formação apresenta lacunas significativas, especificamente no que diz respeito à condição de formadores, entenderiam a importância de aprender e ensinar?
  2. Como compreendiam a importância e a função básica da língua portuguesa na construção da identidade, cidadania e práticas sociais dos timorenses?

A reformulação do curso, então, foi levando em consideração que teríamos de:

  1. Construir atividades a partir do conhecimento prévio que os professores tinham da língua portuguesa;
  2. Organizar uma proposta baseada na oralidade e que contemplasse os docentes que não dominavam a língua portuguesa e que não eram leitores;
  3. Observar durante o curso a influência do contexto multilíngüe no aprendizado da língua portuguesa e os papéis sociais dos sujeitos envolvidos em determinadas situações de interação;

A língua portuguesa pensada a partir dessas reflexões contribuiria a nosso ver, para o esquema de perguntas e resposta pensado pelo esquema de Orlandi (1992, p.16) Quem (professore) Ensina (inculca) O Quê (imagem do referente) Para Quem (imagem do aluno) Onde (escola).

As práticas de ensino e atividades desenvolvidas com os professores foram elaboradas como sugestões e como um norte que pudessem ser utilizados em sala de aula a partir da realidade dos seus alunos e deles próprios. Para isso, procuramos contemplar atividades exeqüíveis para o ensino básico pré-primário, primário e pré-secundário e secundário. Tivemos o cuidado de contemplar temáticas das diferentes disciplinas, levando em conta que a prática dos professores timorenses circunscreve-se, principalmente ao ensino primário com a característica polivalente. Além de a prática docente desenvolvida em Timor Leste ser ainda, em geral, caracterizada como ação espontânea, profundamente intuitiva.

Os professores deveriam compreender que o ensino da língua no ensino básico abrange a linguagem oral e a introdução e o desenvolvimento da leitura e da escrita, por se tratar não apenas da língua de instrução, mas por ser o instrumento com que ele e seu aluno aprenderiam a ler e escrever de acordo com o exigido para o ensino básico. Alguns depoimentos de professores revelaram-nos que o aprendizado de qualquer língua nativa se dá mediado por outra língua materna, seja dentro, ou seja fora do espaço escolar.

Durante o curso, enfatizamos a necessidade de os professores entenderem que no aprendizado de uma língua é preciso ouvir, falar, ler e escrever e que estas competências estão organizadas nos domínios da compreensão e da expressão e que à medida que os domínios vão se desenvolvendo, define-se a competência lingüística de cada um.

Enfocamos a linguagem na concepção que a considera como processo de interação social, em que o ensino da língua leva em conta as relações humanas a que ele perpassa. Nessa concepção, não se pode pensar na linguagem sem considerar a relação do sujeito com a língua e seu uso social.

Foi fundamental que os sujeitos envolvidos no curso compreendessem a língua como instrumento de comunicação e negociação da vida social, em relação à estruturação de idéias. Foi também de fundamental relevância que a partir do ensino criativo e transformador da língua portuguesa tivessem uma visão de mundo, da sociedade, do homem e da linguagem, consciente do papel político de sua tarefa de educar cidadãos e, acima de tudo, compreendessem a importância que a língua do colonizador assumira em Timor-Leste.

Do questionário aplicado, selecionamos algumas respostas de professores do curso para a pergunta Dê sua opinião sobre a escolha da língua portuguesa como um dos idiomas Nacional.
Professor A (57 anos): "escolhi a língua portuguesa porque foi uma língua que aprendi desde criança".

  • Professor B (32): "sim".
  • Professor C: (45 anos) "a minha opinião queria todo o povo da Nação Timor-Leste fala-se bem português".
  • Professora D: (40): "língua portuguesa".
  • Professor E: (53): "Foi uma escolha inteligente".
  • Professor F: (29): (É).

Os posicionamentos dos professores revelam que cada indivíduo, cada forma de perceber a língua, apresentam formada por variantes conflitantes. Os professores mais jovens sofrem a influência direta da proibição do idioma português no período indonésio, pois não aprenderam esse idioma não faz parte de suas memórias, isso é perceptível pelo que escreveram; por outro lado, os professores com mais idade revelam apropriação maior do idioma.

Os questionários revelam que há sempre um diálogo entre o passado e o presente, o que corrobora que o "eu" do discurso não está só, sempre dividirá seu espaço discursivo com outro, ou seja, o dizer dos professores é construído em diferentes tempos, ou seja, em diferentes discursos.

Para Bakhtin (1992), o sujeito é imbricado no meio social em que vive, sendo permeado e constituído pelos os discursos que o circulam. Cada sujeito é uma arena de conflito, ou seja, é hibrido, composto do confronto dos vários discursos que o constituem, sendo que cada um desses discursos, ao se confrontar com os outros, tem como objetivo exercer uma hegemonia sobre eles. Sendo assim esse sujeito tem que ter consciência do mundo que o cerca.

O discurso é o espaço onde a ideologia se manifesta e se materializa, produzindo sentidos para e entre seus sujeitos. É possível dizer, então, que as palavras refletem o cotidiano do sujeito, é o espaço onde ele se constrói.

As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É, portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais. (BAKHTIN, 1992, p.41).

O diálogo entre os sujeitos nos torna falantes de uma língua, das vozes que tecem toda a cultura oral nascida da comunidade onde se vive. A língua portuguesa, em Timor-Leste, é ainda a língua do Outro, a língua estrangeira, a língua do colonizador, mas que também é a língua timorense. Um professor durante o curso manifestou fez o seguinte depoimento [...] "é necessário acelerar mais o ensino porque durante 24 anos deixamos de praticar a língua portuguesa e ela significa muito para nós". (2003).

A sala ambiente como recurso metodológico

Considerando as visitas realizadas a várias escolas timorenses, percebeu-se que as aulas eram ministradas sem nenhum recurso, na maioria das vezes o quadro-negro e o giz eram os recursos metodológicos que dispunham. Dessa forma, procurou-se criar um espaço de aprendizagem que permitisse maior interação professor/aluno/objetos de aprendizagem. A intenção também foi mostrar que existem recursos pedagógicos de acesso fácil, como jornais, revistas ou outros textos que circulavam no cotidiano.

Assim, criou-se sala ambiente do curso, como estratégia motivadora (TV, vídeo, multimídia e aparelho de som). A intenção dessa estratégia foi tornar o espaço da sala mais agradável e interessante e, principalmente lugar apropriado em que pudessem pesquisar nos livros, revistas, dicionários, jornais e outras fontes de pesquisa, procurando transformar a disposição tradicional da sala de aula em um espaço mais dinâmico. Observamos que ao mudar o ambiente da sala de aula, dá-se um passo para a mudança de postura do professor, pois proporcionou desenvolver atividades dinâmicas em que os sujeitos interagiram e construíram o conhecimento na perspectiva de parceria.

Para os professores, a metodologia usada apresentou inovações, facilitando o aprendizado. Uma professora que não se identificou no questionário de avaliação escreveu o seguinte "sugeria que este curso possa continuar para podermos aperfeiçoar melhor os métodos do curso, pois nos tem sido de grande aprendizado e facilitou mais nossa compreensão." (Dili, 2003).

Ao término de cada aula, a produção dos alunos foi fixada em quadros de avisos da sala de aula. Essa estratégia permitiu a socialização e a valorização do trabalho produzido pelo aluno que, assim, sentiu-se mais motivado ao saber da importância dada ao seu trabalho individual e/ou coletivo e para que, pudesse aplicar o mesmo recurso com seus alunos em sua prática docente.

O primeiro texto a ser trabalhado foi Quadrilha. A primeira atividade com o texto foi passá-lo para o tétum, introduzindo-se assim uma perspectiva bilíngüe. A tradução para o tétum, foi realizada pela da autoria da diretora da escola primária Nº15. A professora apresentava domínio nos dos dois idiomas (tétum e português). A opção da escolha pelo texto ocorreu por ser composto basicamente por nomes próprios com os quais os timorenses são familiarizados pela herança portuguesa, além de apresentar a estrutura ser simples.

Quadrilha

João hadomi Teresa maka hadomi Raimundo maka hadomi Maria maka hadomi Joaquim maka hadomi Lili la hadomi ema ida.
João bá tinha Estados Unidos Teresa, bá tinha convento, Raimundo mate tamba hetan, Maria sai tia deit, Joaquim oho an tinha no Lili kabeu tinha hoj Pinto Fernandes maka La tama iha história. (Trad. Sabina Fonseca, agosto de 2003)

Os professores identificaram-se bastante com texto talvez pela marcas da memória, da histórica e do elemento trágico que marcou os timorenses. Os outros textos foram retirados do primeiro livro em língua portuguesa para atender as escolas do país, cujas autoras de nacionalidade portuguesa, preocuparam-se em respeitar o contexto local e a produção textual de autores timorenses.

À medida que o trabalho foi sendo realizado pedíamos relatos de experiências vividas, dessa forma fazíamos com que os alunos formulassem perguntas e respostas. Além de este exercício possibilitar maior desenvoltura com a linguagem oral, permitindo expor idéias, argumentar e selecionar informações facilitando a interação entre os sujeitos em sala de aula.

Certamente, não se esgotaram todas as possibilidades, dadas sua amplitude e complexidade. No entanto, o resultado deste trabalho, de algum modo, representou uma sensibilização e avanço do tema para aqueles que se propõem em elaborar programas para os professores timorenses reflexão a reflexão sobre a oralidade e a leitura como instrumentos importantes para o ensino de língua portuguesa, embora reconhecendo que não há modelos perfeitos, mas não pode perder de vista, que é uma sociedade na sua maioria ágrafa.

Enfatizamos ainda que uma semana de curso é insuficiente para se obter grandes resultados, mas mesmo com todas as dificuldades que se apresentaram durante o evento, os resultados foram significativos, pois possibilitou aos sujeitos envolvidos entenderem que a oralidade, a leitura e a escrita vão além da decodificação das palavras e que não se esgotam em si mesmo, indo além do simples ato de falar, ler, escrever, pois são práticas sociais que se estabelecem entre sujeitos sob condições concretas de uso.

Ao término do curso surpreendeu-nos nesses sujeitos a vontade de que o curso se prolongasse, usando a metodologia e a estratégia escolhidas, além de declararem que não tinham consciência da importância do ato de fala do outro em sala de aula.

Considerações

Considerando o distanciamento, refletimos sobre o ontem e o hoje e acreditamos que a contribuição que este trabalho pretende é apontar a língua portuguesa como lugar de dominação, mas também de possibilidades, de transformação, como fator de identidade, cidadania e prática social, uma vez que representa para o país símbolo de luta, resistência, mas também de poder para aqueles que a dominam.

Qualquer proposta para expansão da língua portuguesa passa necessariamente pela formação de professore seja inicial ou continuada.

Esperamos também que esta reflexão contribua para que os países em cooperação responsáveis pela expansão da língua portuguesa pensem a expansão não em suas perspectivas, mas a partir do contexto multilíngüe no qual se realiza ou possa se realizar.

Certamente, a língua de Camões tem característica diferenciada em Timor, apresentando uma lógica que não é a portuguesa nem a brasileira, mas é a de uma nação do sudoeste asiático. Vale considerar sempre que, para muitos timorenses, a língua portuguesa, é a língua do outro, é língua estrangeira.

É importante perceber que a consciência do sujeito está forjada a partir do seu papel político, por isso justifica-se a língua ter sido enfocada como possibilidade de mudança, como transformação e como determinante de construção de identidade social dos sujeitos que participam do processo, além de determinar valores outros às classes menos favorecidas.

Nossa reflexão sobre língua portuguesa, na terra maubere, é um movimento constante de dizer e refazer o já dito, mas acima de tudo é tentar compreender a realização da língua dos colonizadores naquele contexto onde muitas vozes se realizam a partir de suas histórias de vidas.

[1] UFRN Departamento de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação. Rua Florença 21, Ponta Negra CEP 59094-600- Natal/RN- Brasil. alietecb@yahoo.com

CFTE/RN - Departamento de Formação de Professores – DAFOP. Rua Antônio Justino de Medeiros, 48 Monte Belo59086-320 – Natal – RN email: marilia@cefetrn.br

[2] O lingüista australiano Geoffrey Hull no livro Timor-Leste identidade, língua e política educacional (2001, p.31) classifica o número de línguas em quinze línguas, no Manual de Língua Tétum para Timor Leste (2000, p.1) afirma que há pelo menos dezesseis línguas. Por outras leituras optamos por dezesseis línguas.

[3] Mariette Bolina é professora e coordenadora do curso de Formação de Professores de Português da Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL).

[4] Mariette Bolina é professora e coordenadora do curso de Formação de Professores de Português da Universidade Nacional de Timor-Leste (UNTL).

[5] Reitor da Universidade Nacional de Timor-Leste.

[6]“Within five years, according to the government’s plan, he will be required to teach all his courses in Portuguese, a language that is hardly heard on the campus here. A bulletin board at the entrance to the campus carries 14 notices from teachers. Eight are written in Tetum, four in Indonesian and two in English. None are in Portuguese. ( New York Times 31de julho de 2007).

[7] We have to rethink our language policies,” he said in a telephone interview. As a first step, he said, English and Indonesian should be added to Portuguese and Tetum as official languages. “I see no problem with a nation having four official languages.” But his plan does not end there, suggesting that questions of language could preoccupy his country for years to come. [1]Once they have become accustomed to their four official languages, he said, “We can give the people the option to choose two of them as compulsory languages.”(New York Times 31 de julho de 2007).

[8] A identidade dos professores foi preservada.

[9] O texto Quadrilha do autor Carlos Drumonnd foi retirado da Coleção Viver, desenvolvida por Ação Educativa no ano de 1996 e distribuída no Brasil em 2001, publicação co-editada com o Ministério da Educação e Cultura do Brasil, apoiada pela UNESCO.

Referências bibliográficas

  • BAKHTIN, M Marxismo e filosofia da linguagem. Trad.do francês. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992.
  • BOLINA, Mariette. Timor e a língua portuguesa no seu projecto educativo. Revista Lusófona, nº 06 Universidade lusófona de humanidades e tecnologias. Lisboa. Portugal 2005. Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/349/34900612.pdf. Acesso em 12 de novembro de 2007.
  • BORMANN, Aliete. SILVEIRA Marília. Primeira missão de especialistas brasileiros em Timor-Leste: desafios e impasses. In Timor-Leste por trás do Palco: cooperação internacional e a dialética da formação do Estado. Kelly Cristiane da Silva, Daniel Schroeter Simão (Org). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
  • CARVALHO, Nelly. Empréstimos e identidade cultural. Artigo publicado em 22/09/2005 - O fenômeno lingüístico/cultural do empréstimo. Disponível em: http://www1.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=8585. Acesso em 20 de maio de 2008.
  • HULL, Geoffrey, Manual de Língua Tétum para Timor Leste. Austrália: The National Library of Australia, 2000.
  • _______ Timor-Leste: identidade, língua e política educacional. Lisboa: Instituto Camões.
    New York Time Article New Country’s Tough Non-Elective: Portuguese 101 by SethMydans. Acesso em 10 de outubro de 2007. Disponível em: http://www.nytimes.com/2007/07/31/world/asia/31timor.html.
  • ORLANDI, Eni. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. 2. ed. Campinas, SP: Pontes, 1995.
  • _________. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez: Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1998.
  • SANCHEZ, Andres. La construcción de Timor Leste, uma revisión histórica. Dissertação de Mestrado defendida em El Colégio de México no Centro de Estudios de Ásia y África.México, 2002.
  • SILVA, Kelly. Paradoxos da Autodeterminação: A construção do Estado-Nação e práticas da ONU em Timor-Leste. Tese de Doutorado. Universidade de Brasília, 2004.

Fonte: www.fflch.usp.br/eventos/simelp/new/pdf/slp41/02.doc